sábado, 17 de outubro de 2009

Casos:

O Direito e a cultura do consumo

A sensação de que os meios de comunicação de massa mudam cada pessoa ou de que a existência está por eles pautada merece uma reflexão acerca de como aqueles concorrem não só para o conforto e o entretenimento, mas também para a banalização da vida, em razão de uma irrefletida e saturada aquisição de bens de consumo com vistas a um padronizado modo de se apresentar para o mundo, muitas vezes sem compreensão de sua dimensão sócio-cultural.

Ao atrelar os domínios das respectivas ciências sociais aplicadas, o Direito inserido que estão na sociedade midiatizada e em especial quanto à publicidade no sistema de crédito, percebe-se o intuito de conjugar a liberdade de expressão e a livre iniciativa com o incentivo à cultura e a defesa do consumidor, princípios consagrados na Constituição da República Federativa do Brasil.

Sob o império de uma ideologia do consumo desenfreado de bens, serviços e marcas e por força de uma correspondente publicidade ostensiva, o ser humano tem a ilusão da liberdade ou consciência plena de escolha. É iludido também quanto ao viver num mundo em que os acontecimentos sejam de fato em “tempo real” e os “padrões de comportamento” sejam conquistas, e com tais reconhecidos, a despeito da proclamada individualidade egoística na apresentação e uso do corpo e de bens, no componente mais marcado e até despudorado da sexualidade.

A comunicação de massa global, porém, não deve ser uma tentativa de massificação global de comportamentos estereotipados, desrespeitando ou anulando a cultura local e a consciência individual refletida sobre os bens sócio-culturais consumidos.

Atualmente, configura-se a cultura no consumo, depende o reconhecimento pessoal daquilo que se possui ou daquilo que se pode chegar a possuir. As transformações constantes nas tecnologias de produção, no desenho de objetos e na comunicação de massa geram ampliação de desejos e expectativas, tornando instáveis as identidades fixadas em repertórios de bens exclusivos de uma comunidade étnica ou nacional. O modo de ser do indivíduo na integração discursiva “pessoa/espaço e tempo” no campo da “modernidade-mundo” possui uma dimensão existencial diluída e, em contrapartida, “os espaços da cidade encontram-se condensados e simulados nos shopping centers (com suas ruas, praças, fontes, letreiros luminosos das lojas e de suas marcas), como no espaço urbano, onde se pode encontrar todo tipo de mercadoria.”

Assim, por parte das empresas midiáticas, uso de uma publicidade incentivadora de uma competitividade perversa para consumo de ilusões, e coloca que a confusão dos espíritos impede o nosso entendimento do mundo, do país, do lugar, da sociedade e de cada um de nós mesmos.

Some-se a isso a Era Digital, relacionada com a dependência tida inevitável ao mundo virtual ou à sociedade digital, na qual muitas tarefas cotidianas são transportadas para a rede mundial (internet) pelas telas agora de computadores ou de aparelhos de telefone celular ou de outra ferramenta inventada da noite para o dia e imediatamente divulgada exaustivamente como “última moda”, com uma quase impossibilidade de a ela se furtar, sobremaneira os adolescentes ou aqueles com “espírito de adolescente”, não importando a faixa etária a menos ou a mais que a reconhecida culturalmente como tal, pois o importante para essa gente é estar “ligado” ou “conectado” ao “bem de consumo mais moderno”, quase que instantaneamente substituído por outro “ainda mais moderno”, e desse modo “instalar” a relação existencial “homem-máquina-meios”, muitas vezes para suprimir carências afetivas de toda ordem, “mascarado” o problema psicossomático da estima própria, não permitida a busca da plenitude do ser pela reflexão.

Sob o aspecto da sociedade do espetáculo, a mídia, com o instrumento do apelo publicitário desmedido, faz com que em grande parte das relações de consumo domine o descartável, obsolescência programada, dos bens de consumo propriamente ditos, passando pelos compromissos de ordem intersubjetiva das mais variadas formas: sociais, profissionais, familiares, afetivos, amizade, coleguismo; enfim, tudo se torna valor de troca, bastante o ter algo ou parecer-se com algo, insignificante o ser alguém, acentuando um problema de caráter existencial.

Esse “algo” acima apontado pode ser qualquer um dos bens ou ícones de cultura contemporânea presentes em capas de revista, em cartazes, na publicidade, na moda etc., onde cada um encontra um fio que promete conduzir a “algo mais” profundamente pessoal, numa lúdica e onírica trama tecida com desejos pressupostos absolutamente comuns. Daí que, a “instabilidade da sociedade moderna se compensa no lar dos sonhos, onde com retalhos de todos os lados conseguimos operar a ‘linguagem da nossa identidade social.”

Ora, o consumo é uma atividade de manipulação sistemática de signos, na qual se ‘consome’ uma relação simbólica para se estar ou não estar integrado numa moda, que estatui um prestígio social (“standing”). Desse modo, toda publicidade se refere explicitamente ao objeto sob um critério imperativo: ‘Você será julgado por’... ‘Reconhece-se uma mulher elegante com...’ etc.”

Nessa ordem de idéias, a publicidade só é efetiva quando gera no consumidor a necessidade, a ânsia, a compulsão, o descontentamento que só poderá ser abrandado com a posse do bem ou a utilização do serviço anunciado. E tal sensação de desconforto, de vazio, não é gerada em conformidade apenas com o valor de uso do produto, mas sim tendo em vista seu valor cultural.

Em outras palavras, o consumidor é induzido a querer não o produto ou serviço, ou mesmo a facilidade de vida que ele lhe pode proporcionar, mas principalmente o status social de ter o poder de adquiri-lo, a satisfação de fazer parte de uma comunidade de pessoas que adotam tal valor cultural.

Outra advertência, cunhada na psicologia social e não desconhecida pela arte ou técnica publicitária, pelo contrário, uma vez que estratégia para se saber previamente como e para atingir o público-alvo de uma campanha, é a notoriedade de que a sensibilidade é mais suscetível e permanentemente instigada por mínimas reiterações de impressões do que pelo súbito e transitório impulso.

O desejo de consumir nasce, pois, do emprego de argumentos tanto racionais quanto emocionais, significa dizer também, tanto conscientes quanto inconscientes, incluindo as denominadas mensagens subliminares.

O contexto psicológico é o mesmo na antecipação do gozo dos objetos no tempo e pertence à mesma lógica do prestígio social, porquanto nos dias que correm não fere o pudor da compra somente com pagamento à vista, sendo substituída pelo “a perder de vista”. Enfim, ter alto limite em cheque especial e possuir diversos cartões de crédito são sinônimos de status, como uma ética nova, uma vez que não faltará oportunidade de adquirir, por antecipação, mais objetos de desejo. E o usuário ‘a crédito’, aprende pouco a pouco a usar em completa liberdade o objeto como se este fosse seu.

Portanto é ilusória a pretensão de satisfazer temporariamente a alma do consumidor, pois quem compra a crédito fatalmente tropeçará sobre os vencimentos e há fortes probabilidades de que procure consolo psicológico com a compra de outro objeto a crédito, ou entre em depressão, por não conseguir honrar seus compromissos.

O aprofundamento da crise econômica no país fez com que a publicidade dos bancos mudasse. É fato incontroverso que, cada vez mais, as pessoas consomem. A par desta tendência, a necessidade de crédito é elementar.

Os bancos cientes deste processo começaram a anunciar crédito, notadamente nos intervalos de programas populares e mesmo através de praticas como o ‘merchandising’. Se o consumidor assiste ao anúncio de um produto e não tem como comprá-lo, fica feliz em saber que poderá adquiri-lo com as facilidades que os anúncios dos bancos expõem o crédito.

Dentre outras modalidades de crédito bancário, o cartão de crédito é um mero exemplo enfático, como, por força de lei, entendimento doutrinário e jurisprudencial, negócio jurídico de natureza bancária composto por vários contratos unificados pela finalidade primordial de permitir ao consumidor facilidade na imediata aquisição de bens e serviços mediante fornecedores credenciados pela administradora, com oferta ainda ao usuário de mútuo bancário ou crédito rotativo, ao possibilitar saque em moeda corrente e o parcelamento dos débitos.

Diante de tal realidade, são equiparadas as administradoras de cartões de crédito às instituições financeiras e não por acaso a edição de Lei Complementar 105, de 10/01/2001, ao nesse sentido estabelecer em seu artigo 1º, parágrafo 1º. Equiparação essa constante também na Súmula 283 do Superior Tribunal de Justiça

Não se desconhece, ademais, que sobre as prestações incidem juros altos, e a inadimplência, na maior parte das vezes, se torna a situação fática e jurídica de seu usuário, com o pagamento do valor mínimo da fatura no mês seguinte e seguinte e seguinte etc. É denominado por dinheiro de plástico. Com ele a relação é de aparente segurança e conforto, como um amigo para todas as horas, em razão da qual o desejo de consumir é maior do que o de contenção de gastos, sintomática a situação de “sobrar mês no fim do salário”.

A inadimplência e o superendividamento passam a ser a regra na sociedade de consumo de crédito, e a proteção do consumidor quanto aos limites na inscrição nos Bancos de Dados de Proteção ao Crédito, como SPC, Serasa entre outros, assume relevância na esfera jurídica, a fim de se constatar eventual abuso, ora pela desídia manifesta do usuário de oferecer resistência infundada ao cumprimento da obrigação, conhecida ou presumida sua condição de ter entendimento das regras ordinárias do mercado, ora pelo desvio de finalidade pela averbação do nome do usuário no rol de maus pagadores em referidos bancos de dados, por parte de quem o faz indiscriminadamente com intuito de compelir ao pagamento compulsório do que entende devido, sem que sejam adotadas todas as medidas acautelatórias para depois se valer desse recurso extremo.

Nesta hipótese, comprovado desmerecimento público da imagem da pessoa, cabível indenização por danos morais.

Não deixando de lado da discussão da dívida sub judice, para inibir ato unilateral e de efeito contínuo, com óbice ou restrição à pessoa à prática de negócios na sociedade, ao não se propiciar a circulação de bens e mercadorias, a prestação de serviços, enfim, o giro de capital, uma vez que desatendidos estariam os princípios da função social do contrato e o da boa-fé objetiva, diretivos das relações obrigacionais e contratuais hodiernas, com vistas à operabilidade dessas relações na harmonização de interesses, enfim, o interesse econômico combinado com o interesse ético.

Assim é que a Constituição Federal cuida tanto do zelo sobre a mensagem para a formação da consciência, do conhecimento e da cultura do povo brasileiro, como, também, do acesso aos meios de divulgação da informação, através da comunicação, preconizando a redução da exclusão social e tecnológica.

Não pode ser dado à questão “Da Comunicação Social”, inserida que está no Título “Da Ordem Social”, artigos 220 até 224, tratamento apartado dos correlatos “Direitos Sociais”, artigos 6º e 7º, e “Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”, artigo 5º, em especial a liberdade de expressão e de criação, a intimidade, a privacidade, a honra e a imagem, a liberdade de trabalho, profissão e ofício, o acesso à informação e o sigilo da fonte quando necessário ao exercício de profissão, cabíveis o direito de resposta proporcional ao agravo, a coibição ao anonimato, o acesso à justiça, além de indenização por dano material, moral ou à imagem, da defesa do consumidor, a saúde, merecendo particular relevância o do incentivo e valorização da cultura brasileira (“Da Cultura”), numa leitura conjunta do artigo 215 com o artigo 221, para que não seja desconhecida de seu próprio povo, como se a pessoa (o brasileiro) ignorasse as suas próprias circunstâncias histórico-sociais, talvez com maior grau de ignorância nos grandes centros urbanos, a ponto de viver o sonho, o imaginário de outras culturas, não que estas não devessem ter implicação com a brasileira, mas que fossem absorvidas de forma complementar e refletidamente.

Não é por acaso, a Carta Magna brasileira, estabelece que é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença (art. 5º, IX), autorizador, à evidência, de que a pessoa atue conforme suas inclinações e interesses culturais, declarando, de tal sorte, que “o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais” (art. 215). Entenda-se por acesso às fontes da cultura nacional, todas as manifestações culturais do povo brasileiro em geral com as manifestações culturais particulares: populares, indígenas, afro-brasileiras e de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional (art. 225, § 1º), próprio de uma sociedade pluralista (“Preâmbulo”).

O tema da cultura na Constituição de 1988 é tratado sob enfoques que se integram reciprocamente ao dispor: “bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos”, “acesso à cultura, à educação e à ciência” (art. 23, III, IV e V), “as criações científicas, artísticas e tecnológicas no patrimônio cultural brasileiro” (art. 216, III), “educação, cultura, ensino e desporto” (art. 24, IX). Ademais, há referência também nos artigos 5º, IX, XXVII, XXVIII e LXXIII, e 220, parágrafos 2º e 3º, como manifestação de direito individual e de liberdade e direitos autorais; nos artigos 23, 24 e 30, como regras de distribuição de competência legislativa da União, Estados, Distrito Federal e municípios, e como objeto de proteção pela ação popular; nos artigos 215 e 216, como objeto do Direito e patrimônio brasileiro; no artigo 219, como incentivo ao mercado interno, de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural; no artigo 221, como princípios a serem atendidos na produção e programação das emissoras de rádio e televisão e no respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família; no artigo 227, como um direito da criança e do adolescente; e no artigo 231, quando reconhece aos índios sua organização social, costumes, língua, crenças e tradições e quando fala em terras tradicionalmente ocupadas por eles necessárias à reprodução física e cultural, segundo estes últimos itens, assim como tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos (art. 216, § 5º).

Não se confunda, no entanto, a defesa do consumidor com a preservação de uma igualdade maciça e indiferençada, pois consumidores somos todos nós, nas mais diferentes categorias sociais, desde os mais ricos aos mais pobres, dos velhos às crianças. Respeitar-lhes os direitos, dando a cada o que é seu, é, por conseguinte, um imperativo de justiça, que leva em conta uma pluralidade de situações distintas.

Estes artigo 1º e 170 devem ser lidos envolvendo o artigo 3º, ao fixar os “objetivos fundamentais” da República Federativa do Brasil de (I) construir uma sociedade livre, justa e solidária, (II) garantir o desenvolvimento nacional, (III) erradicar a pobreza e a marginalidade e reduzir as desigualdades sociais e regionais, (IV) promover o bem de todos, sem preconceitos de qualquer forma, não como conjugação apenas de ideologias, mas como política a ser concretamente implementada, e revisada continuamente num contexto de uma comunicação de massa global, para que haja operabilidade de tal paradigma, pelos instrumentos normativos orientados pelos objetivos aqui reproduzidos com natureza de princípios, somados aos expostos nos parágrafos anteriores, entre outros, numa apreciação sistêmica, a fim de que sejam plenamente eficazes, isto é, adequados aos fins que visam, não apenas uma ordem econômica formal, mas também material.

Existência digna de todos numa conjugação dos artigos 1º, III (dignidade do ser humano), e 3º, IV (supra) com o artigo 170, III e VI, a função social da propriedade e a preservação do meio ambiente (“Do Meio Ambiente”), na utilização adequada dos recursos naturais disponíveis (art. 186, II), a fim de que todos tenham direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, na imposição ao Poder Público e à coletividade do dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (art. 225), todos também da Constituição Federal. Enfim, para que o desenvolvimento sócio-econômico e cultural se dê sob os ditames da ética e responsabilidade também sócio-ambiental, componentes dos valores ecológicos contemporâneos, com vistas à utilização sustentável dos recursos naturais.

É preciso, assim, educar a pessoa para o consumo consciente, pois sem a educação integral do homem, preparando-o convenientemente para o gozo e o emprego superior dos bens postos à sua disposição, nos limites das necessidades superiores da coexistência, poderemos assistir a uma nova forma de barbárie, convertidos os instrumentos de vida em ameaça crescente aos valores fundamentais que se identificam com o próprio ser do homem.

O consumismo e o uso desmedido do crédito são expressões correntes nos dias atuais, necessária a reflexão sobre considerável característica nas relações sociais, não se furtando os estudiosos do Direito desse intento, sobretudo pelo crescimento dos estudos consumeristas, sobre os quais não se deve atender apenas aos anseios defensivos do presumível hipossuficiente consumidor, mas localizá-lo integrado numa dada sociedade que sobrevive desses mecanismos por força do capital, em concorrência, pois, de propósitos, com acertos e erros, sob o prisma dos princípios constitucionais da liberdade de expressão, livre iniciativa, incentivo à cultura e defesa, que significa também consciência, do consumidor, numa implicação dialética entre a ordem econômica e a ordem social.

Ora, se se proclama por uma espécie de cidadania plena, sua plenitude somente se dará com a oportunidade de efetiva participação de todos, primeiro que tudo, nos bens e benefícios sociais básicos como educação, emprego, moradia, comida, como corolário dos valores da solidariedade e cooperação.

Se no contexto atual uma globalidade em que a universalização das atividades humanas, seja, econômica, financeira, científica, tecnológica, política, cultural, pode trazer, por um lado, grandes benefícios ao progresso dos Estados e, de outro, pode acarretar, de maneira irreversível, supressão de diferenças, uniformizando todas as formas de vida e de cultura, exclusão social, desemprego, novos nacionalismos agressivos, enfim, uma crise ética em face do imediatismo do útil e do prático.

Essa dimensão difusa e coletiva pode ter suporte nos meios de comunicação de massa e a publicidade pode ser a técnica de divulgação, sobremaneira com campanhas denominadas institucionais, respeitadas as diversidades regionais, em que o colocar em comum e o tornar público assumem esse condão de bem comum e interesse público, os quais consagram as ciências sociais aplicadas ao Direito.

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