terça-feira, 27 de julho de 2010

Juíza paulista absolve acusado de embriaguez apontada em teste de bafômetro

Interessante, podemos dizer que foi o entendimento da juíza ou foi a obra e argumentação do nobre causídico, que conseguiu a absolvição do acusado?

"Vistos.
LUCAS BRITTO MEJIAS foi denunciado como incurso no artigo 306 do Código de Transito Brasileiro porque no dia 04 de outubro de 2008, por volta das 09h00min, na Avenida Giovanni Gronchi, nº 3000, Paraisópolis, nesta capital, foi surpreendido por policiais militares conduzindo perigosamente seu veículo, sob a influência de álcool, cuja concentração no sangue era de 0,50 mg/l, conforme constou no exame bafômetro/etilômetro de fls. 07, limite este superior ao permitido por lei.
O denunciado também autorizou a coleta de urina. Foi constatado o teor de 2,0g/l de urina.
Segundo o apurado, o réu teria desrespeitado sinal semáforo que lhe era desfavorável e por tal razão acabou sendo acompanhado por uma viatura policial. Durante a abordagem constatou-se seu estado de embriaguez. Teste do bafômetro/etilômetro, fls. 0. Laude de urina, fls. 08. Oferecida a denúncia, fls. 44, o réu foi citado, fls.,51-v.
Houve a apresentação de defesa preliminar oportunidade em que o réu aduziu:
1) inépcia da inicial por constar que o réu dirigia seu veículo automotor com concentração de álcool no sangue equivalente a 0,50 mg/L, ou seja, menos do que prevê a legislação;
2) ausência de tipicidade da conduta já que não houve comprovação da dosagem alcoólica no sangue como determina a lei, não sendo hábil a tal comprovação o exame da urina ou do etilômetro.
3) ausência da prova da materialidade na medida em que não houve a realização do exame de sangue;
4) o Decreto 6488/08 não tem o condão de modificar a tipicidade penal objetiva pois somente lei formal, emanada do Poder legislativo e submetida ao devido processo legislativo pode incriminar condutas de forma legítima.
5) a prova é ilegal pois foi obtida mediante ameaças e subterfúgios dos policiais.
Designada audiência para roposta de suspensão condicional do processo, o defensor constituído do réu pleiteou que a defesa preliminar fosse apreciada antes da manifestação acerca da aceitação ou não da proposta de suspensão do processo oferecida pelo Ministério Publico, fls. 85.
Ante o teor daquela defesa, determinei fosse expedido ofício ao IML nos termos da decisão de fls. 86. A resposta veio as fls. 91/92.
As partes manifestaram-se a respeito da resposta do ofício, fls.94/99/105.
É o relatório.
 Decido.
Razão assiste a defesa, ao menos neste caso concreto. Embora não se possa negar que após a alteração introduzida pela Lei 11.705 de 19 de junho de 2008 no que toca ao delito previsto pelo artigo 306 do CTB houve uma notória redução dos acidentes de trânsito cujo fator principal era a embriaguez, a verdade é que com o passar do tempo, várias questões surgiram tais como a não obrigatoriedade do teste já que não há, em nosso sistema legal, a obrigação do acusado em produzir prova contra si nemo tenetur se detegere artigo 5º, LXIII da nossa Constituição Federal e também a idoneidade do teste obtido mediante a medição de álcool via etilômetro vulgo bafômetro.
De inicio, observo que a segurança garantida pelo Poder Judiciário é a segurança jurídica, não a segurança pública. Esta última fica a cargo do Poder Executivo.
No caso concreto, a defesa de Lucas trouxe a lume questões importantíssimas e que merecem uma avaliação cuidadosa por parte deste juízo.
Pois bem.
O tipo penal previsto pelo artigo 306 do CTB define como crime a condução de veículo automotor com concentração de álcool igual ou superior a 6(seis) decigramas por litro de sangue ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência.
No parágrafo único do artigo citado o legislador atribui ao Poder Executivo a possibilidade de estipular a equivalência entre distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime tipificado no artigo em comento.
Pois bem, com a edição do Decreto nº 6.488, de 19 de junho de 2008, o Poder Executivo, além de estipular o etilômetro/bafômetro como teste equivalente de alcoolemia, definiu em seu artigo 2º, inciso II que concentração de álcool igual ou superior a tres décimos de miligrama por litro de ar expelido pelos pulmões tipificam a conduta criminosa, verbis:.
Art. 2 - Para os fins criminais de que trata o artigo 306 da Lei nº 9.503, de 1997 - Código de Trânsito Brasileiro, a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia é a seguinte:
I - exame de sangue: concentração igual ou superior a seis decigramas de álcool por litro de sangue; ou
II - teste em aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro): concentração de álcool igual ou superior a três décimos de miligrama por litro de ar expelido dos pulmões.
Não houve qualquer introdução explicativa no que toca a norma editada pelo Poder Executivo, mais especificamente quanto aos parâmetros científicos utilizados para se concluir que tres décimos de miligrama por litro de ar expelido pelos pulmões equivale ao limite legal definido por lei, ou seja, concentração de 6 (seis) decigramas no sangue.
O Direito é uma ciência que muitas vezes, para sua correta aplicação, necessita socorrer-se de outras.
Neste caso concreto, esta Magistrada, entendeu pela necessidade de socorrer-se do entendimento dos peritos médicos, tanto que determinou a expedição de oficio ao IML nos termos do despacho de fls. 86. Basicamente, a indagação levada a efeito ao IML por parte desta magistrada dizia respeito justamente a existência, comprovada cientificamente e assim reconhecida, da equivalência propriamente dita.
Isto porque, a concentração de álcool de três décimos de miligrama por litro de ar expelido pelos pulmões não equivale ao limite legal definido por lei, ou seja, concentração de 6 (seis) decigramas no sangue simplesmente porque o Decreto 6488/2008 assim definiu.
A resposta do IML de fls. 91/92 assinada pela Dra. Priscila Maria de Andrade Borra, médica legista, foi categórica, vejamos: "Em resposta ao quesito: "se há comprovação científica entre a correlação de distintos testes de alcoolemia e indicar referências bibliográficas científicas: Sim, em relação à correlação urina e sangue. Porém, referente a tabelas de conversão de valores aferidos no etilômetro, que verifica o nível de álcool etílico presente no ar expirado, desconheço a existência de tabelas de conversão ou correlação com dosagens feitas no sangue e/ou urina.-" (grifo meu).
Ora, pelo menos por ora, a médica legista somente reforçou a tese defensiva e trouxe muitas dúvidas a esta magistrada quanto a possibilidade de se tipificar a conduta prevista pelo artigo 306 mediante a utilização do etilômetro. Observo, por oportuno, que não estou colocando em dúvida a eficácia do aparelho. Esta questão, também tortuosa, não está em debate.
O que está em debate é a efetiva existência da equivalência dos distintos testes de alcoolemia - no caso o bafômetro - para fins de caracterizar a conduta criminosa, ou seja, a concentração de álcool no sangue equivalente a 6 (seis) decigramas por litro.
Com efeito, profundo é o desapreço à possibilidade de o Poder Executivo outorgar 'equivalência entre distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime tipificado' (parágrafo único do artigo 306 do CTB). Um decreto mitigaria indevidamente o artigo 5º, XXXIX, da CRFB. Aliás, sequer por Medida Provisória (artigo 62, parágrafo primeiro, I, b, da CRFB), que tem força de lei, seria permitida a regulação do Direito Penal. Inviável que um mero ato do executivo, não sujeito à chancela legitimadora congressual, regulasse a questão do grau de alcoolemia acarretando efeitos criminógenos, criando um novo tipo penal.
Outrossim, a cabeça do dispositivo é expressa ao indicar o limite de '6 decigramas por litro de sangue'. Dessa forma, apenas o exame do próprio tecido sanguíneo poderia registrar esse teor. Na melhor das hipóteses, seria imprescindível a prova científica de que 6 (seis) decigramas de álcool por litro de sangue equivale a tres décimos de miligrama por litro de ar expelido pelos pulmões.
O etilômetro (bafômetro) utiliza matéria-prima gasosa e não comprova alteração do sangue. Apenas examina caractere armazenado no tecido alveolar pela via oral. Os resquícios de ar expirados, o bafo, o exame de mucosa, a análise de fio de cabelo, etc., contrariam a exigência típica imediata delineadora do objeto sensível a ser analisado - o sangue. São meros vestígios periféricos, mas não elementos de prova inspirada no tipo.
O artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro é claro e explícito ao determinar a concentração superior de 06 (seis) decigramas de álcool por litro de sangue, e, assim, o crime só se configurará com a comprovação de tal quantidade de álcool no sangue do condutor do veículo, o que, por sua vez, somente poderá ser averiguado o que me parece bastante óbvio , através do competente exame de sangue, aliás, como corretamente observado pelo inc. I, do art. 2º do Decreto nº 6.488/08.
Portanto, até prova cientifica contrária, álcool no sangue é uma coisa e álcool no ar expelido dos pulmões é outra.
Assim, se o tipo penal do art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro é taxativo ao mencionar que o crime se configura com determinada quantidade de álcool no sangue do condutor do veículo e que tal prova, por questões óbvias, somente pode ser feita através de exame do sangue daquele, impossível a responsabilização penal através do teste em aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro), mediante o exame do ar expelido dos pulmões, já que, mediante a escrupulosa observação do princípio constitucional da legalidade, tal crime não existe.
Diante do exposto, nos termos do artigo 397 do CPP, ABSOLVO SUMARIAMENTE LUCAS BRITTO MEJIAS, qualificado nos autos, das imputações a ele feitas na denúncia nos exatos termos do artigo 386, II do mesmo codex.
PRIC"
MARGOT CHRYSOSTOMO CORRÊA BEGOSSI
Juíza de Direito
|Fonte: TJ.sp.gov.br - proc. 011.09.000130-4