quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Responsabilidade social do juiz e do Judiciário


O DIREITO é uma ciência social e, como acontecem às chamadas ciências sociais, cabe à Filosofia conceituá-la.

Como na Filosofia são múltiplas as escolas filosóficas, cada uma com seu conceito, temos em conseqüência, diversas conceituações do que seja DIREITO.

O DIREITO, verdadeira constante na história da humanidade, é fenômeno universal, comum a todos os povos. Existiu, existe e existirá sempre, em todos os tempos, em todos os lugares.

Costuma-se dizer que o DIREITO é um sentimento que todos já experimentamos algo assim como o amor, que nasce no coração das pessoas. Não é exagero dizer-se que todos nós sentimos o DIREITO e que, de certo modo, todos sabem o que o DIREITO é.

“Isto é meu direito”, “ o juiz reconheceu o nosso direito”, “isto é direito”, “o meu direito foi violado” são expressões cotidianas que envolvem a noção vulgar a respeito da ciência jurídica.

Se semelhante noção vulgar, obscura e vaga não bastam; torna-se necessário um conceito mais profundo do que seja DIREITO.

Na verdade, para que enveredemos pelo caminho da filosofia jurídica, diríamos apenas que o DIREITO é um complexo de regras reguladoras da conduta humana, com força coativa.

Significa dizer, que o DIREITO é o conjunto de normas que disciplinam a conduta do homem em sociedade, visando á harmonia do convívio e ao bem comum.

Desta forma se faz necessária a presença do Juiz e no Brasil Colônia, ele exercia funções judiciárias e administrativas cumulativamente. Cabia-lhe não apenas julgar, como administrar. Por isso, fiscalizava obras, como a construção de pontes ou bebedouros. Fazia-o, sem preocupações sociais, mas sim por dever de ofício. Somente em 1748, na França, o Barão de Brède e Montesquieu escreveu O Espírito das Leis, registrando a existência de três Poderes no Estado, Legislativo, Executivo e Judiciário.

Neste modelo, que se espalhou pelo mundo, ao juiz não cabia nenhuma função administrativa e muito menos de caráter social. Os julgamentos deveriam ser uniformes, afirmando Montesquieu: “a tal ponto que não sejam estes jamais senão um texto preciso da lei. Fossem eles a opinião particular dos juízes, e viver-se-ia na sociedade sem saber precisamente quais os compromissos assumidos” (Saraiva, 1987, p. 168). Este raciocínio foi resumido nas palavras: o juiz é a boca da lei.

Proclamada a Independência em 1822, a Constituição de 1824 dedicou o Título 6º ao Poder Judicial, dando importantes garantias aos magistrados, como seres perpétuos no cargo (vitalícios), salvo se condenados por sentença (artigos 153 e 155). Do Código Criminal do Império até a proclamação da República, muitas foram as transformações. Por exemplo, criou-se na Corte e nas Províncias a figura do Chefe de Polícia (recrutado entre os Desembargadores), com Delegados e Subdelegados.

Proclamada a República em 1889, buscou-se alterar o rumo do Judiciário do Império, mirando-se no modelo norte-americano de uma Suprema Corte com poderes amplos, inclusive o de declarar inconstitucionais os atos legislativos. O Decreto 848, de 11.10.1890, criou e organizou a Justiça Federal, na qual o STF se incluía.

Mas durante todos estes séculos, no Judiciário não havia preocupações sociais. O Tribunal de Justiça de São Paulo, em decisão de 13 de agosto de 1915, exigia para a prova de serviços domésticos um contrato formal, explicitando a ementa de um acórdão que “Não se fez prova alguma de contrato de locação de serviços e se trabalhos a autora teve em casa do réu, o réu, por seu turno, deu-lhe moradia, alimentou-a, assistiu-a em moléstias, etc.” (O Direito na História. Atlas, 3ª. ed., p. 348).

Ligeira abertura veio em 1942, com a Lei 4.657, conhecida como Lei de Introdução ao Código Civil. Seu art. 5º dispôs que: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.” Este dispositivo foi válvula de escape para os juízes decidirem casos de injustiça flagrante, ainda que com apoio na lei.

No entanto, nos anos 1960 a sociedade começou a passar por transformações profundas. Entre outras, a rebelião estudantil na França, o movimento hippie, a mecanização da agricultura, a migração campo/cidade, a emancipação feminina, o agravamento da distribuição de renda nos países em desenvolvimento, o crescimento da violência e a globalização da economia. Isto veio necessariamente a ter reflexos no Judiciário.

No fim dos anos 1980 e nos 1990, originou-se um movimento de obrigações ambientais e sociais. Os deveres ambientais com suporte constitucional, pois a Carta Magna atribui ao Poder Público e à sociedade o dever de zelar pelo meio ambiente (art. 225) e, aos empreendedores, o desenvolvimento sustentável (art. 170, VI).

Na jurisdição, o magistrado poderá:

a) invocar as normas constitucionais, p. ex., os direitos sociais do art. 6º da CF ;

b) examinar o caráter social e a proteção dos mais fracos nos contratos, conforme art. 421 do C.Civil;

c) buscar a conciliação como meta prioritária de apaziguamento social; d) adotar postura informal diante de pedidos mais simples, como liberação do FGTS.

Na administração, poderá o Judiciário:

a) levar a Justiça a lugares distantes ou à periferia das grandes cidades, através de postos avançados ou juizados itinerantes;

b) fortalecer os Juizados Especiais e Turmas Recursais;

c) promovera interação e integração do Judiciário na sociedade (p. ex., cedendo o uso de espaços públicos para exposições ou congressos jurídicos);

d) estímulo à reinserção social de presos ou menores, através de convênios com entidades estaduais;

e) promover medidas de apoio aos trabalhadores “terceirizados”, hoje em número elevado (p. ex., semana da saúde, em convênio com universidade).

De certo que deverá existir um equilíbrio, pois, não se presta o juiz para uma jurisprudência sentimental, dando tudo a todos. Nem tornar-se populista ou um pretenso “justiceiro”. Deve evitar os excessos.

As ações envolvendo políticas públicas merecem especial atenção. Cabe ao juiz ser, a um só tempo, firme, de modo a contribuir para o bom direcionamento das medidas (p. ex., na área de saneamento básico) e cauteloso, evitando substituir-se ao administrador (p. ex., especificando, indevidamente, os atos a serem praticados no cumprimento da decisão).

Assim, para traçar a linha demarcatória entre DIREITO e MORAL, basta observar de que há no DIREITO um caráter obrigatório (a lei, a norma, a regra social obrigatória), ou seja, uma norma que é imposta pela coação, pela força à sociedade mediante uma sanção (castigo, pena), enquanto que a moral, a norma se constitui numa espécie de sanção interna, de foro íntimo (remorso, arrependimento, desgosto, sentimento de reprovação, etc).

Em suma, em meio a tantos problemas sociais, cabe a todos e também aos juízes e ao Judiciário promover a concretização da meta constitucional de um Brasil mais solidário e mais humano.

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